O Brasil tem potencial para ampliar o mercado de trabalhadores temporários, que soma hoje cerca de 1 milhão de pessoas. Mas é necessário maior flexibilização da legislação, parâmetros claros de contratação e fim do preconceito em relação ao setor. A opinião é do diretor internacional do GI Group, terceira maior empresa de recursos humanos e trabalho temporário da Europa, Maurizio Uboldi. O italiano GI Group, que soma mais de 280 mil trabalhadores em dez países, estreou no Brasil em julho de 2008, após comprar 60% da paulista S&L, da área de RH. Hoje já está em seis estados e abriu escritório em Porto Alegre, em janeiro. O executivo italiano, que falou com o Jornal do Comércio, afirmou que as contratações capacitariam principalmente jovens ao primeiro emprego. Uboldi não escondeu a surpresa ante a baixa qualidade de candidatos em quesitos básicos, como saber escrever e falar português corretamente.
Jornal do Comércio - Como a crise afeta o mercado de trabalho na Europa?
Maurizio Uboldi - Atinge todos os países, mas é mais forte na Espanha (onde já chega a quase 20%) e Itália, e avança sobre o mercado de trabalho na França, Alemanha e no Reino Unido. O Leste Europeu sente menos, pois é um mercado muito jovem. O trabalho temporário é uma alternativa, principalmente para quem busca o primeiro emprego, está fora do mercado ou que busca ocupação com tempo definido, como estudantes. A procura aumenta nestes períodos. Também cresce a oferta de pessoas com maior qualificação que estão desempregadas e que buscam vagas.
JC - Quanto tempo levará para reverter a retração atual?
Uboldi - Bela pergunta, para a qual não sei a resposta. A queda das contratações não chegou no ponto mais baixo. A demanda de trabalho fixo ou temporário ainda terá picos de alta e baixa, e depois vai estabilizar. A imprensa divulga notícias muito negativas, o que não ajuda. As indústrias, que são na sua maioria as que mais contratam, estão com a produção praticamente parada. Na Itália, a venda de carros, por exemplo, caiu 25% em fevereiro.
JC - Qual o potencial do mercado temporário no Brasil?
Uboldi - O mercado local é o terceiro no mundo em número de pessoas contratadas, somando mais de 1 milhão. Em primeiro lugar, estão os Estados Unidos, seguidos pelo Japão. O Brasil tem população muito jovem, por isso o mercado tem muito para crescer, mas a legislação para temporários é muito limitada. Há medo de efetuar esses contratos, que acabam não sendo vistos como positivos. Isso precisa mudar, o que possibilitaria maior ingresso de trabalhadores. Esse tipo de vínculo possibilita também qualificar e formar profissionais.
JC - Quais as mudanças que devem ocorrer na legislação?
Uboldi - Teria de ter um prazo maior. Hoje é de três meses, com possibilidade de prorrogação por mais três meses, desde que autorizada pelo Ministério do Trabalho. Na Europa é de, pelo menos, 24 meses. Na Itália, pode ser de até três anos e há limitação de um máximo de 30% da mão-de-obra da empresas com este perfil. Há mais de 120 tipos diferentes de contratos temporários, que definem o número máximo por setor. Estima-se que 1,2% dos ocupados seja desse segmento. Na Inglaterra, considerado o país mais desenvolvido na área, os temporários respondem por 5% dos empregados. Na Itália, há muito rigor sobre compromissos das empresas com direitos dos trabalhadores. Quem deixa de pagar salários, por exemplo, perde a licença para atuar. No Brasil, deveria haver um parâmetro máximo de trabalhadores por estabelecimento e
mesmo rigor.
JC - As limitações da lei brasileira impedem maior crescimento do setor?
Uboldi - O mercado temporário cresce em todo o mundo nos últimos 50 anos. A legislação se adaptará ao mercado. É importante que o Brasil não fique para trás. Se a lei for necessária para melhorar o funcionamento do mercado, isso terá de mudar. Na Itália, há 3 mil agências que fazem contratação, o que facilita a busca de trabalho e a relação entre trabalhador e empresa. Onde esse mercado de trabalho funciona bem todo o restante de setores que empregam operam bem. Na Itália, o número de pessoas com vínculo direto com as empresas cresceu muito desde 1998, quando surgiu lei de emprego temporário. Lá, podemos, como agência, financiar o treinamento das pessoas nas empresas. Muitos acabam sendo efetivados.
JC - A crise abre oportunidade para essas contratações?
Uboldi - Aqui, também, há queda na oferta de vagas. Legislação mais flexível e regulamentação possibilitariam crescimento da mão-de-obra, mas sem reduzir o volume de trabalhadores permanentes, com vínculo direto.
JC - Como é a qualidade da mão-de-obra no Brasil?
Uboldi - Há muita oferta de trabalhadores, mas há dificuldade no recrutamento de mão-de-obra qualificada. Para conseguir o perfil desejado, é necessário entrevistar grande número de candidatos. O processo é muito complexo para ocupações simples, o que implica gastos e tempo enormes. Um exemplo são as seleções para call center, que levam muito mais tempo do que precisaria. Aqui, não se encontra a capacidade que em outros países é normal, como escrever e falar corretamente na língua local. Na Itália, leva um dia para seleção e outro para contratação. No Brasil, pode levar até dez dias. O que chama a atenção aqui, por outro lado, é a dedicação, atenção com as pessoas e vontade de realizar o trabalho, valores positivos.
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