Diante da informação de que os grandes bancos estariam mantendo no caixa o dinheiro liberado pelo Banco Central dos depósitos compulsórios, em vez de fazer empréstimos e melhorar o crédito no País, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva reagiu ontem fazendo uma ameaça ao sistema financeiro. Lula disse que se os bancos "esconderem" esse dinheiro, "o Banco Central vai ter que tomar uma atitude, tomar o dinheiro de volta, pegar o compulsório outra vez". As declarações foram feitas na Índia antes do encontro com o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh.
O presidente lembrou que o BC já liberou do compulsório mais de R$ 100 bilhões. "O dinheiro disponibilizado pelo Banco Central é o do compulsório remunerado, liberado seguindo as taxas do mercado", disse Lula, acrescentando que a medida foi adotada "para ninguém dizer que está faltando dinheiro no Brasil para financiar quem quiser tomar dinheiro emprestado". E emendou: "Temos que garantir liquidez para que, se a pessoa for ao banco pegar dinheiro, o dinheiro esteja lá".
Depois de negar que existam bancos enfrentando problemas por terem perdido muito dinheiro com a alta da moeda norte-americana, o presidente Lula afirmou de maneira enfática que "nos bancos grandes ninguém tem problema". O que foi detectado, de acordo com o presidente, "foi problema nos bancos de investimento pequenos". "Foi por isso que nós, já há algum tempo atrás, tomamos as medidas para garantir que os bancos maiores pudessem comprar as carteiras dos menores, para não permitir que esses bancos maiores fiquem com a espada na cabeça dos menores".
O BC, por meio da assessoria de imprensa, disse que as medidas adotadas para "desempoçar" a liquidez já estão surtindo efeito - tanto que os grandes bancos estão comprando carteiras de crédito de outras instituições. Como as medidas foram adotadas há pouco tempo, acrescentou o BC, o seu efeito total ainda não ocorreu. Na avaliação da autoridade monetária, os movimentos iniciais dos bancos devem estar voltados para operações de crédito consignado, para depois mirarem em créditos automotivos e outros produtos.
Sobre a possibilidade de ajuda a empresas que tiveram prejuízos com a especulação em derivativos cambiais - e que foram surpreendidas com a alta do dólar -, Lula disse que o socorro não pode ser uma regra generalizada, como dera a entender, na véspera, o assessor especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia. "Todas as empresas que apostaram dinheiro e perderam têm de arcar com as suas responsabilidades. O Brasil está disposto a criar condições para emprestar dinheiro, mas pela lógica do mercado", disse Lula, reafirmando que não haverá pacotes para resolver os problemas gerados pela crise financeira, e que as medidas estão sendo tomadas de forma pontual.
Mesmo reconhecendo que "se houver recessão profunda na União Européia e os Estados Unidos, a crise poderá chegar ao nosso País", o presidente disse que a ordem para a economia brasileira é continuar crescendo.
"Contra a crise econômica temos um lema: mais produção, mais mercado interno, procurar mais mercado externo, novos parceiros, porque é assim que vamos sair fortalecidos", disse.
CNI diz que as instituições não
estão oferecendo financiamentos
O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, afirmou ontem que os bancos não estão usando os recursos que deixaram de recolher no Banco Central como depósito compulsório para abrir linhas de crédito para o comércio exterior. "Estas linhas estão sendo repostas em um nível muito pequeno", afirmou.
Segundo ele, as linhas estão reduzidas a 20% do que eram antes do agravamento da crise financeira internacional, que provocou uma redução de liquidez no sistema bancário. "Os bancos estão com um encaixe maior por causa da redução do compulsório, mas precisam liberar os recursos. O compulsório foi reduzido para irrigar o mercado e os bancos estão muito retraídos", afirmou, antes de participar de audiência com o procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Adams.
Desde o início do período mais grave da crise financeira internacional, há um mês, o Banco Central já alterou seis regras relacionadas ao recolhimento compulsório, que é o depósito obrigatório que as instituições financeiras têm de fazer junto à autoridade monetária. Ao reduzir o compulsório, o BC libera recursos para que os bancos possam emprestar para as empresas e pessoas físicas. O BC anunciou nesta semana que poderá liberar até R$ 100 bilhões em compulsórios para melhorar a liquidez do sistema financeiro. Na avaliação do presidente da CNI, a crise do sistema financeiro internacional só vai contaminar a economia real do País se não houver liquidez no mercado, daí a preocupação com a escassez de crédito.
"Estamos conversando com as autoridades para chamar atenção para este ponto", disse. Segundo Monteiro Neto, algumas empresas estão com "aperto" no caixa, mas ele classificou de especulação a notícia de que 200 empresas brasileiras enfrentam dificuldade por causa da chamada "bolha cambial".
Segundo fontes do governo, estas empresas teriam sofrido graves prejuízos por terem feito operações arriscadas apostando na manutenção da queda do dólar, movimento que foi revertido nas últimas semanas. "Não tenho idéia de quanto é, mas está muito longe de serem 200 empresas", contabilizou Monteiro Neto. Ele afirmou que confia na estabilização do dólar "em um patamar razoável". Embora não faça previsões sobre a cotação do dólar, disse que a moeda norte-americana não deverá ficar no patamar do período mais crítico da crise, na semana passada, quando atingiu mais de R$ 2,40.
Ele avaliou que a forte volatilidade no câmbio ocorrida na semana passada foi um movimento relacionado ao momento da crise. "Tem analista projetando que o dólar estará a R$ 1,85 no fim do ano", comentou.
Bradesco negocia a compra
de até sete carteiras de crédito
O Bradesco estuda a compra de mais seis ou sete carteiras de crédito de instituições de menor porte dentro das medidas anunciadas pelo Banco Central (BC) no final do mês passado, disse o vice-presidente Arnaldo Alves Vieira. "Isso é um processo que requer avaliação desses ativos", afirmou. Na segunda-feira, o Bradesco já havia anunciado a compra de uma carteira de crédito consignado e outra de veículos, mas sem divulgar qual o nome dos bancos que fizeram a cessão do crédito.
Sobre as perspectivas de crescimento do crédito para o próximo ano, o executivo afirmou que essas considerações ainda não foram realizadas pelo banco. De acordo com Vieira, a única redução da demanda nas linhas de varejo percebida pelo Bradesco ocorreu no financiamento a veículos, com uma queda entre 10% e 15%. Isso fez com que o percentual de propostas aprovadas no varejo como um todo caísse de 55% para 45% nos últimos 30 dias.
Para o executivo, as medidas do BC para melhorar o fluxo de recursos entre as instituições financeiras foram positivas e serão suficientes para atender à demanda por crédito, uma vez que haverá uma redução natural da procura com o cenário de incerteza causado pela crise externa. "Além disso, estamos mais seletivos e fizemos alguns ajustes, como reduzir um pouco os prazos e subir um pouco os juros", disse, lembrando que esse é outro fator que reduz o volume de operações de crédito.
Sobre a captação na rede de varejo, Vieira considera que os custos estão praticamente estáveis, não chegando a 104% do CDI. No entanto, admitiu que deve ter ocorrido uma elevação na área de atacado.
Questionado sobre aquisições de operações de instituições financeiras nesse momento em que os ativos estão depreciados, o executivo afirmou que o Bradesco não fará aquisições oportunas. "Essa é uma oportunidade para se posicionar e levar segurança à indústria", disse.
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