A crise mundial tem arrastado dezenas de bancos nos Estados Unidos e na Europa, mas até o momento tem poupado instituições brasileiras. A regulamentação adotada no País é apontada como a responsável por esse diferencial e pode servir de exemplo para as novas formas de controle que devem passar a fazer parte das relações financeiras a partir de agora. Porém, nem por isso os bancos do Brasil estão desatentos. Medidas preventivas já estão sendo aplicadas em função da dificuldade de prever por quanto tempo e em qual intensidade a crise deve atuar, explica o presidente do Banrisul, Fernando Lemos.
Jornal do Comércio - Os negócios do Banrisul já foram atingidos de alguma maneira pela crise?
Fernando Lemos - Não. O banco não tem nenhuma dificuldade com relação a isso. Em primeiro lugar, temos uma captação muito grande. Também não temos nenhuma aplicação em qualquer papel vinculado a dólar ou derivativos. Nossas aplicações de tesouraria são todas elas no Tesouro Nacional, com risco zero. Nossas carteiras de crédito têm um índice de liquidez ótimo, nossa inadimplência é a metade do mercado, que trabalha com 6,5% a 7%, e a nossa é de 3,2% a 3,4%. O que fizemos é o que todo o mercado fez: redução dos prazos que estavam mais longos. A partir de agora, os créditos serão mais curtos para ter um giro mais rápido, até porque ninguém consegue precificar mais longamente. Não se sabe quanto vai custar lá na frente. Estamos operando normalmente e as taxas subiram como em todo o sistema.
JC - Na sua avaliação, o que estava de errado no sistema financeiro norte-americano que deu condições para que a crise se instaurasse com tanta intensidade?
Lemos - Não tenho pretensão de dizer o que estava de errado no sistema norte-americano, mas posso referenciar o brasileiro. O Brasil tem uma diferença de regulamentação muito grande, onde todas as operações e instituições financeiras são controladas pelo Banco Central, uma autoridade monetária única. Nos Estados Unidos não é assim. Lá tem várias reguladoras, e o Fed, o banco central norte-americano, não controlava os bancos de investimento, que foi aonde se deu o início do grande problema. Além dessa diferença, há outra: de atuação. Os bancos de investimento se alavancaram excessivamente, fruto dos períodos de taxas de juros extremamente baixas, um longo período, que coincidiu com um excesso de liquidez no mundo e, ainda, com uma desregulamentação bastante significativa nos Estados Unidos. Quando reuniu os três fatores, deu nisso. Acabaram financiando exageradamente para pessoas que não tinham capacidade de pagamento e se deu a confusão. Aqui no Brasil é completamente diferente. O crédito é totalmente bancarizado, são os bancos que fazem e operam seus créditos, que conhecem seus clientes e têm seus níveis de alavancagem baixos se comparados com os norte-americanos. Além do que o crédito hipotecário no Brasil é diferente, você não pode empilhar uma hipoteca em cima da outra. Se você comprou seu imóvel, somente após liquidar 100% dele poderá fazer outra hipoteca. Lá, cada espaço que tinha de valorização do imóvel permitia fazer um empréstimo por aquela diferença.
JC - A diferença blinda o Brasil?
Lemos - Nossas instituições financeiras não têm nenhum problema em relação ao que se viu nos Estados Unidos. Temos um Banco Central muito competente, que tem operado com capacidade. As dificuldades vão aparecer na economia porque, provavelmente, vai reduzir o crescimento brasileiro, assim como vai reduzir no mundo inteiro. Os EUA são a maior economia do mundo, o maior consumidor mundial e, se eles entrarem em um processo de recessão ou de pequeno crescimento, irão demandar menos do mundo inteiro. Por isso, vai ter conse-qüências, sem dúvida.
JC - Em decorrência dessa crise, teremos uma mudança no sistema financeiro global?
Lemos - Sim. Vai haver uma mudança sobre a qual não tenho nenhuma dúvida. Um controle mais efetivo vai ocorrer. Houve quase que uma estatização de bancos no mundo inteiro neste momento, então vai ter um processo de acomodação. Além disso, os bancos centrais terão uma relação mais forte para atuarem mais rapidamente. Porque o que se notou agora é que também não estavam todos eles preparados para agir em conjunto. Levou quase um mês para que todos conseguissem se movimentar no mesmo sentido, como ocorreu na semana passada. Eu acho que essas coisas vão mudar bastante e teremos uma relação mais estruturada no mundo inteiro.
JC - É possível fixar um prazo em relação à duração da crise?
Lemos - Ainda é cedo para dizer isso. No Brasil não se fala em recessão, mas podemos falar em diminuição da atividade econômica. O que se imaginava de crescimento em torno de 5% em 2009 pode ficar em 3,5%. O estresse do mundo financeiro deve terminar em uma semana, mas os reflexos da crise serão sentidos pelos próximos dois anos aproximadamente.
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