A Receita Federal do Brasil (RFB) cumprirá a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que obriga as empresas de profissionais liberais a recolherem a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) sobre o seu faturamento. A medida atingirá profissionais como dentistas, médicos, contadores, advogados, arquitetos e outras categorias - desde que estes atuem como sociedades civis de prestação de serviços legalmente regulamentados.
É o caso de escritórios de advocacia, clínicas médicas e outras pequenas empresas. Aquele profissional que desenvolve suas atividades por meio de pessoa física, por sua vez, não será atingido. A determinação do Supremo finalizou uma disputa de mais de dez anos. Em 1991, uma lei complementar determinou a cobrança da Cofins. Ficou definido que os profissionais liberais ficariam isentos. Cinco anos após, outra lei, desta vez ordinária, estipulou que as chamadas sociedades civis de prestação de serviços regulamentados também teriam de pagar o tributo. Muitos contribuintes recorreram à Justiça para manter a isenção, agora suspensa.
Para alguns advogados, tributaristas e contadores, a decisão do STF não surpreendeu. "Diversos profissionais do meio tributário já aguardavam essa postura", diz o vice-presidente da Fundação Escola Superior de Direito Tributário (Fesdt) Fábio Canazaro. Segundo ele, as decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que reconheciam a isenção para este tipo de empresas estavam totalmente equivocadas. A competência do STJ em julgar a matéria era questionada por muitos.
Com as manifestações de anos anteriores nos tribunais, diversos profissionais atingidos pela cobrança optaram por ingressar na Justiça. Sendo assim, eles depositavam os valores referentes ao pagamento da Cofins em conta judicial. "Os próprios juízes de primeira e segunda instância, quando acolhiam os argumentos apresentados por essas sociedades, já o faziam sob a forma de garantia de depósito em conta vinculada para depois ser liberada à parte vencedora. Ou seja, as empresas já estavam pagando, estavam depositando o valor correspondente à Cofins em juízo", esclarece o vice-presidente de Fiscalização do Conselho Regional de Contabilidade do Rio Grande do Sul (CRC-RS), Paulo Walter Schnorr.
Com isso, a decisão final do STF apenas reverterá as quantias depositadas em renda da União. "A Receita Federal abocanhará esse dinheiro que já estava depositado pelas empresas em conta." Aqueles contribuintes que não fizeram o recolhimento durante esses anos terão que fazê-lo a partir da decisão. "Terão que pagar o que ficou para trás e o que está por vir, sofrendo penalização dos juros de mora e da atualização monetária", diz Schnorr. Nesses casos, conforme o vice-presidente do CRC-RS, a penalidade será bem complicada, porém não há mais como recorrer de uma decisão judicial tomada em última instância.
Maioria de contribuintes havia
efetuado o depósito em juízo
O número de empresas surpreendidas pela decisão do STF não deverá ser muito grande. Conforme os especialistas, a maioria já vinha efetuando os pagamentos em juízo. "Dos meus clientes que estavam sujeitos a questionar a validade do pagamento da Cofins, todos vinham fazendo os depósitos", destaca o vice-presidente de Fiscalização do CRC-RS Paulo Schnorr.
Conforme o advogado Marco Túlio De Rose, aquelas que não pagaram no período e não ingressaram na Justiça devem a Cofins de agosto de 2008 até cinco anos para trás. "É muito tempo, mas como a discussão começou em 1998, poderia ser pior." De Rose dá um conselho para aqueles contribuintes que estão nessa situação: começar a pagar a partir deste mês, para que não seja gerado mais passivo. Além disso, o advogado acredita que o governo federal lançará um programa de parcelamento longo, permitindo o pagamento da contribuição.
"A despesa será alta, mas deve-se levar em consideração a necessidade de ter cautela e provisionar valores quando se entra em discussões tributárias." De Rose diz que, ao ingressar com uma ação, mesmo que possa parecer evidente o direito do contribuinte, são tantas as evidências e tão complexo o cipoal de decisões no País que convém ter um depósito para garantir caso ocorra reversão do processo no final da história. "O jogo virou no Supremo Tribunal, após três vitórias obtidas anteriormente."
Liminares garantem
pagamento sem multa
O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), Gilberto Luiz do Amaral, diz que empresas com liminar garantindo a isenção podem quitar o débito sem multa. Para as outras, o valor sobe bastante, pois além da multa padrão de 20% sobre débitos com o Fisco, se a Fazenda atuar de ofício, a multa pode subir a 75%.
Para Schnorr, os empresários que fizeram os pagamentos foram coerentes e previdentes. Mesmo que fosse mantida a isenção da Cofins para os profissionais liberais organizados em sociedades, estaria sendo privilegiado um tipo de empresa em detrimento de outras. O procurador-geral da Fazenda Nacional, Luís Inácio Lucena Adams, diz que os devedores deverão pagar os débitos retroativos a cinco anos da data do lançamento da dívida, em até 60 meses, que é o parcelamento ordinário da Receita Federal."
Estudo mostra que há mais de 20 mil
ações judiciais questionando cobrança
Um levantamento elaborado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT) mostra que existem mais de 23 mil ações judiciais questionando a cobrança de Cofins das sociedades de profissões regulamentadas. O estudo estima que mais de 28 mil empresas possuem débitos da contribuição, as quais poderão ser executadas pela Fazenda Nacional caso não paguem o tributo ou não façam o parcelamento.
O presidente do IBPT, Gilberto Luiz do Amaral, lembra que as sociedades que fizeram o depósito integral, judicial ou administrativo nada têm a temer, pois os valores serão convertidos para a União e o débito ficará extinto. Mas os que não pagaram terão que fazê-lo, com acréscimo de multa e taxas, podendo haver parcelamento do débito. "Creio que a decisão é irrecorrível, apesar de a OAB entender que ainda pode ser modificada", afirma.
Ele diz que são tantas as situações particulares que cada um deverá avaliar seu caso. O Estado possui em torno de 1,4 mil ações contra a Cofins, com uma discussão de cerca de R$ 250 milhões em termos de dívida.
Também deve ser analisada a questão da decadência, ou seja, o prazo para que a Fazenda Pública exerça o seu direito de exigir a Cofins. Conforme jurisprudência do próprio STF, mesmo as contribuições sociais têm prazo decadencial de cinco anos para o lançamento. Dessa forma, se a Receita Federal ou a Fazenda Nacional não tomaram nenhuma providência de ofício, a Cofins só poderá ser exigida pelos últimos cinco anos. Se o contribuinte fez o autolançamento, através de Dacon, DCTF ou DIPJ, a cobrança retroagirá às datas da confissão da dívida.
Ordem dos Advogados irá ao
Congresso em busca de anistia
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vai levar ao Congresso a discussão sobre formas de parcelamento e anistia para advogados que, de boa-fé, deixaram de recolher a Cofins nos últimos doze anos. O presidente nacional da OAB, Cezar Britto, diz que a decisão do STF surpreendeu os advogados, uma vez que a jurisprudência se consolidou exatamente no sentido oposto, com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tendo orientado, inclusive por súmula, que não deveria incidir a Cofins sobre essas sociedades. "É de se lamentar uma decisão que muda, de uma hora para a outra."
Segundo ele, a decisão do STF abala a segurança jurídica, estabelece um caos na sociedade civil e pode gerar conseqüências graves, como fechamentos de escritórios ou insolvência física e jurídica de vários profissionais. As pessoas que não pagaram a Cofins todos esses anos, não o fizeram, segundo Britto, por diletantismo. "Havendo súmula do STJ no sentido de que não se deveria pagar, não havia controvérsia. As pessoas, acreditando nesse órgão, deixaram de pagar e acreditaram na Justiça, pois a segurança jurídica é fundamental para a prática de atos jurídicos e de relacionamento."
Como a decisão tomada pelo Supremo tem repercussão política e impactos muito fortes na sociedade, o presidente da OAB levará o tema a exame do Congresso e buscará possibilidades de anistia e de parcelamento.
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