Brasil e Argentina assinaram ontem acordo de cooperação para a implementação, em caráter experimental, a partir de 6 de outubro, do SML (Sistema de Pagamentos em Moeda Local), que prevê que as trocas comerciais entre os países serão feitas em peso e real, e não mais em dólar. O acordo foi assinado pelo presidente do Banco Central brasileiro, Henrique Meirelles, e do BC argentino, Martín Redrado, em solenidade no Palácio do Planalto. Os presidentes do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, e da Argentina, Cristina Kirchner, também participaram.
Para o ministro da Fazenda, Guido Mantega, o novo sistema de pagamento vai estimular a participação de pequenas e médias empresas nas trocas comerciais, que já somam US$ 25 bilhões por ano. "Você está diminuindo o custo de intermediação dessas operações. Os bancos vão ganhar menos e vai baratear o custo da transação", afirmou o ministro. Segundo ele, a medida deve ser estendida aos demais países do Mercosul e, no longo prazo, deve ser instituída uma moeda única para o bloco. "Isto caminha, no longo prazo, para uma moeda local, que eu acho que o Mercosul deve ter no futuro. É um primeiro passo", disse Mantega, reconhecendo a dificuldade de implementação do sistema, uma vez que as compensações devem ser feitas diariamente.
A diretora de Assuntos Internacionais do BC, Maria Celina Berardinelli Arraes, explicou que a adesão SML é voluntária, ou seja, os exportadores dos dois países podem continuar recebendo em dólares, se quiserem. A opção de usar dólar ou moeda local deve ser feita no momento em que for assinado o contrato ou preenchida a guia de exportação.
A vantagem do novo sistema é que ele permite ao exportador cotar seu produto na moeda do próprio país, sem se preocupar com a flutuação da taxa de câmbio e sem precisar fazer as chamadas operações de hedge (um seguro contra oscilações do câmbio). Além disso, o SML também pode reduzir custos na ordem de 4%, avaliam os técnicos do BC. Essa estimativa é muito preliminar, mas se baseia em dois componentes presentes hoje nas transações em dólar: primeiro, o chamado spread entre compra e venda de moeda; segundo, a diferença entre as taxas de balcão (oferecidas pelos bancos intermediários ao exportador/importador) e as taxas interbancárias (negociadas entre esses bancos e seus respectivos BC's, no Brasil ou na Argentina).
Países vão cooperar em projetos regionais
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), o Banco de Integração e Comércio Exterior da Argentina (Bice) e o Banco da Nação Argentina (BNA) celebraram, em Brasília, acordo de cooperação para projetos de infra-estrutura regional. O objetivo é aumentar as exportações dos dois países, ampliar e modernizar as capacidades de produção e fortalecer as cadeias produtivas.
As três instituições já apóiam o comércio exterior de seus países. "O acordo vai coordenar e permitir que a efetivação deste apoio financeiro seja intensificada", de acordo com nota do Bndes. Desde 1997, o banco estatal brasileiro financiou US$ 3,2 bilhões em operações de exportações para a América do Sul, dos quais R$ 1,3 bilhão foram para a Argentina, incluindo financiamento para a expansão dos gasodutos TGS e TGN, Albanesi e Cammesa, naquele país.
Os financiamentos do Bndes para a Argentina devem aumentar significativamente, independentemente do acordo com o Bice e o BNA. A atual carteira do Bndes de financiamento a exportações brasileiras para a Argentina - incluindo operações em perspectiva e contratadas - soma cerca de US$ 6 bilhões, correspondendo a investimentos totais de aproximadamente US$ 12 bilhões. Os principais setores a que se destinam as exportações são gasodutos e usinas hidrelétricas, água e saneamento e transporte urbano.
Exploração da camada pré-sal
pode contar com parceria argentina
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ressaltou ontem, em discurso no Palácio do Itamaraty, que "a Argentina pode e deve participar da construção da grande infra-estrutura necessária à exploração do petróleo brasileiro na camada pré-sal". Lula anunciou que vai acelerar a construção da hidrelétrica de Garabi, de interesse dos argentinos, "para garantir nossa segurança energética", e intensificar a "cooperação ambiciosa", em matéria nuclear.
O presidente disse que, além dos 30 projetos conjuntos com a Argentina para uso pacífico de energia nuclear, decidiu avançar nas discussões para a constituição da empresa binacional de enriquecimento de urânio.
Lula disse que é fundamental eliminar distorções e barreiras ao comércio internacional e que está empenhado em concluir a Rodada Doha. Ele defendeu, também, que é fundamental o Mercosul falar uma só voz. "Não devemos temer divergências. Elas serão sempre menores do que o que temos em comum. Insisto que a resposta para os problemas do Mercosul é mais Mercosul", disse. "Vamos redobrar esforços para concluir um acordo com a União Européia e aprofundar discussões com outros grupamentos de importância estratégica", afirmou.
No campo da defesa, Lula disse que espera iniciar em 2009 a produção do veículo militar "Gaúcho" e repetiu que estão avançados os entendimentos para que a fábrica militar de Córdoba forme parceria com a Embraer na produção de aviões. "O nosso intercâmbio comercial no ano é de US$ 30 bilhões, dez vezes mais do que uma há década. Estamos nos libertando da pesada herança de estagnação econômica", concluiu.
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