Os efeitos das altas taxas de juros impostas pelo Banco Central (BC) para conter o crédito e a escalada da inflação estão sendo adiados pelos prazos longos dos financiamentos oferecidos ao consumidor e pelas condições mais favoráveis de emprego e renda existentes hoje na economia. Desde abril, o BC subiu 1,75 ponto percentual a taxa básica de juros, a Selic, que está em 13% ao ano.
Mas os prazos médios dos financiamentos, ao contrário do que normalmente ocorria no passado recente, não encurtaram. Eles ficaram mais longos, aponta pesquisa da Serasa e o Relatório de Crédito do BC. Com isso, o consumidor continua indo às compras sem medo da inadimplência porque a prestação ainda cabe no salário.
O volume de crédito destinado a pessoas físicas atingiu em junho R$ 356,8 bilhões, com alta de 1,5% ante maio e de 32,4% em 12 meses. No primeiro semestre deste ano, o prazo médio atingiu 14,08 meses de todos os financiamentos destinados a pessoas físicas, exceto cartões de crédito, segundo a Serasa. O acréscimo é de quase um mês e meio em relação ao mesmo período de 2007.
O maior crescimento no total dos financiamentos no primeiro semestre ocorreu exatamente nos prazos mais longos e a grande concentração dos empréstimos é de até 12 meses, com 73,2% do total. De acordo com a pesquisa de âmbito nacional, a fatia dos financiamentos com prazo de 37 a 48 meses passou de 2,3% no primeiro semestre de 2007 para 5,3% em igual período deste ano.
A participação de financiamentos superiores a 48 meses também mais que dobrou no mesmo período, de 1,4% para 3,3%. "O consumidor ainda não sentiu o início do ciclo de alta dos juros por causa da elevação do prazo de pagamento", observa o assessor econômico da Serasa, Carlos Henrique de Almeida.
O Relatório de Crédito do BC, divulgado na semana passada, mostra que, em 12 meses até junho, o prazo médio do crédito às pessoas físicas aumentou 63 dias. Só de maio para junho, a alta foi de 11 dias. O aumento do prazo ocorreu, apesar da elevação dos juros cobrados do consumidor. As taxas aumentaram 1,7 ponto percentual de maio para junho e atingiram 49,1% ao ano - os juros ao consumidor mais alto desde março de 2007.
"O governo vai ter sorte se a inflação cair na conjuntura atual", afirma o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira. Ele acredita na necessidade de encontrar medidas adicionais - não apenas a elevação da taxa básica de juros - para conter a expansão do volume de empréstimos ao consumidor. Na avaliação do economista, o ciclo de alta das taxas de juros não está tendo hoje a mesma eficácia que tinha no passado por causa de uma conjugação de vários fatores.
Mercado está mais competitivo, explica diretor do Banrisul
O que explica esse aparente descolamento entre a política monetária e o crédito é o fato de a economia estar mais previsível, observa o diretor financeiro do Banrisul, Ricardo Hingel. É exatamente essa previsibilidade de crescimento econômico e do emprego, que não existia no passado, que está fazendo com que os consumidores continuem comprando e os bancos emprestando por prazos mais longos, observa.
"Os prazos não foram encurtados porque o mercado está competitivo", afirma Hingel. Ele acrescenta que a maior disposição dos bancos para o crédito resulta do fato de a Selic ser hoje menos atrativa para as aplicações em títulos do governo. Cinco anos atrás, quando a Selic era superior a 20% ao ano, a rentabilidade das operações de tesouraria era maior. Hoje a taxa é de 13% ao ano. Isso explica porque sobram mais recursos para as operações de crédito ao consumo.
"A liquidez hoje é excessiva", afirma o economista da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo. Para ele, o BC atua sobre as expectativas do mercado subindo os juros, mas o lado real da economia é dado pela demanda e esta continua forte. Na opinião dele, a alta dos juros começará a fazer efeito na economia real no último trimestre deste ano ou no primeiro trimestre de 2009.
O relatório de Crédito do BC, divulgado semana passada, mostra que o spread, a margem do banco que é a diferença entre o custo de captação e a taxa do empréstimo destinado às pessoas físicas, aumentou 1,2 ponto percentual, de 33,5% em maio para 34,7% em junho. A inadimplência do consumidor, medida pelo atraso superior a 90 dias, ficou praticamente estável em 12 meses até junho e teve um acréscimo de 0,7 ponto percentual de maio para junho.
"O resultado dos bancos neste semestre deverá ser melhor do que nos primeiros seis meses deste ano. O momento é favorável para instituições financeiras", afirma o diretor Financeiro do Banrisul, Ricardo Hingel. Para Oliveira, da Anefac, o cenário atual terá impacto positivo para os bancos. Nos últimos tempos, os lucros dos bancos têm se superado a cada semestre. Nesta semana começa a ser divulgada a segunda safra de balanços de 2008, referente ao segundo trimestre do ano.
O superintendente de Economia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Nicola Tingas, rebate com argumentos a perspectiva de que os lucros dos bancos irão aumentar por causa da conjuntura de juros elevados e prazos longos.
O economista diz que, nos últimos tempos, o custo de captação aumentou e o risco de inadimplência também. Esses dois componentes reduzem, na avaliação dele, os ganhos das instituições financeiras, apesar de as taxas de juros terem subido.
Emprego e renda sustentam expansão
dos financiamentos
A forte expansão do volume de crédito, apesar do aperto monetário adotado pelo Banco Central (BC), está associada aos bons indicadores da economia doméstica. Segundo o vice-presidente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), Miguel Ribeiro de Oliveira, além dos prazos mais longos do crediário, hoje o nível de emprego está elevado e sem previsões de desaceleração, o que incentiva a concessão de crédito com menor risco de inadimplência.
O desemprego medido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) recuou de 8,5% em abril para 7,9% em maio. Com isso, a taxa média no ano foi 1,6 ponto percentual abaixo da registrada no mesmo período de 2007. Descontadas as influências sazonais, o desemprego, que estava em 8% em abril, recuou para 7,6% em maio, o menor nível da série histórica iniciada em 2002.
Também o rendimento médio real teve alta de 2,4% de janeiro a maio, enquanto o pessoal ocupado cresceu 3,9%. Resultado: a massa salarial real cresceu 6,4% em maio ante o mesmo mês de 2007 e continua sendo o fator-chave para o crescimento da demanda doméstica, apontado na última ata do Comitê de Política Monetária (Copom), do BC.
O diretor da RC Consultores, Fábio Silveira, destaca que hoje a liquidez é muito maior que no passado. "Não podemos comparar o choque de juros atual com os da década de 1990." Naquele período, em razão dos sucessivos ciclos de inadimplência, os recursos eram escassos para as empresas, que imediatamente cortavam os prazos quando as taxas subiam. "Hoje a história é outra", diz ele, ponderando que, mesmo com esse aperto, a economia vai crescer na faixa de 4%. Na opinião de Silveira, o aparente descolamento entre a alta dos juros e o ritmo de atividade é transitório. "O impacto dos juros demora um pouco mais, mas vai ocorrer."
Para o sócio-diretor da MB Associados, José Roberto Mendonça de Barros, o crédito já está ficando mais escasso, mas ressalta que o patamar de consumo é elevado. As vendas do comércio devem fechar o ano com crescimento de 9% ante 9,7% em 2007. "Vamos crescer mais lentamente", diz o economista. Ele observa que, quando há crescimento econômico "a fila anda" e novas camadas de renda ingressam no mercado de consumo, o que ocorre hoje.
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