O presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz hoje um último pedido para que George W. Bush, presidente dos Estados Unidos, termine seu mandato com a conclusão da Rodada de Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) como legado de sua administração. Bush deverá entregar a Casa Branca ao vencedor das eleições de novembro próximo - o republicano John McCain ou o democrata Barack Obama - no início de 2009.
O destino da Rodada de Doha, em princípio, depende essencialmente do gesto de Bush nas próximas duas semanas, quando as novas versões dos acordos sobre os capítulos agrícola e de abertura dos setores industrial e de serviços estarão em processo de digestão pelos membros da OMC.
O processo deverá ser decidido no próximo dia 21, em Genebra, durante uma reunião de cerca de 30 dos países mais influentes nas negociações da OMC, entre os quais o Brasil. Se houver consenso ainda em julho, o acordo final pode ser assinado ainda neste ano, antes de Bush passar a presidência americana a seu sucessor. Caso contrário, a rodada terá de ser suspensa, com expectativa de retomada apenas a partir de 2010, ou ter seu fracasso declarado pela OMC. Apesar da aposta em uma reversão na posição americana, o governo brasileiro não pretende disparar nenhum gesto adicional nesta etapa conclusiva.
"O Brasil avançou em tudo o que pôde. Nós já avançamos em um modelo de negociação, que é o possível", declarou o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, ao comentar o encontro bilateral de hoje.
O encontro entre Lula e Bush se dará em um hotel na ilha de Hokkaido, no Japão, ao final do café-da-manhã oferecido pelo governo japonês aos chefes de Estado do G-8 - os países mais ricos do mundo e a Rússia - e do G-5 - os emergentes Brasil, África do Sul, Índia, China e México. Esse foi o último encontro bilateral do presidente Lula a ser agendado. Ao longo do dia, Lula também vai conversar reservadamente com os primeiros-ministros do Japão, Yasuo Fukuda, do Canadá, Stephen Harper, e da Itália, Silvio Berlusconi. O presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, desmarcou um encontro previsto para a tarde de hoje.
Nos últimos meses, as negociações da Rodada de Doha emperraram por conta de novas pressões dos setores agrícolas americanos, estimulados pelo período eleitoral, e das demandas mais ambiciosas de Washington pela abertura dos mercados industriais das economias em desenvolvimento.
Os EUA mostraram-se mais avessos a cortes profundos nos seus subsídios domésticos, escudados no argumento de que a alta dos preços internacionais das commodities agrícolas reduz os dispêndios com as subvenções. Também se opuseram às pretensões do Brasil de ampliar a margem de setores industriais que poderão sofrer cortes tarifários mais suaves, nos casos de uniões aduaneiras formadas por países em desenvolvimento, como o Mercosul.
Hoje, no documento sobre a economia global, o G-8 declarou que a conclusão de um acordo "ambicioso, equilibrado e abrangente" da Rodada de Doha é essencial para a economia e o desenvolvimento global e que vai se empenhar para a conclusão das negociações ainda neste mês.
Os termos usados são os mesmos dos escolhidos pelo Brasil e seus sócios do G-20 - o grupo de economias em desenvolvimento que atua em conjunto nas negociações agrícolas da rodada. Mas os interesses continuam em lados opostos.
G-5 desafia ricos a controlar especulação com petróleo e alimentos
O grupo das cinco economias emergentes (G-5) dirá hoje, na reunião com o G-8, que a especulação com os preços do petróleo e dos alimentos é um problema dos países ricos. E vai cobrar a adoção de mecanismos de controle sobre o movimento de capitais especulativos nesses dois mercados futuros (petróleo e alimentos) e de supervisão de políticas macroeconômicas. O G-5 não prega nenhum tipo de dirigismo econômico, mas reclama da regulação pífia do mercado financeiro dos ricos, o que levou, por exemplo, à crise imobiliária dos EUA, o subprime.
Durante um rápido encontro preparatório, hoje, na cidade de Sapporo, os chefes de Estado da África do Sul, do Brasil, da China, da Índia e do México concordaram que, apesar da relevância da discussão sobre a mudança climática, a prioridade do mundo em desenvolvimento está no desafio de curto prazo de combate à alta dos preços internacionais das commodities agrícolas e do petróleo e à conseqüente escalada mundial da inflação.
"Nossa preocupação está centrada no predominante aumento dos preços dos alimentos, que afeta nossas economias e a nossa agricultura familiar. Temos diante de nós o risco de aumento da pobreza nos nossos países e no mundo", afirmou o presidente do México, Felipe Calderón, que coordenou a reunião de Sapporo, cidade da ilha de Hokkaido que está a 200 quilômetros do hotel onde os líderes do G-8 realizam seu encontro anual. "Enfrentar esse desafio requer maior diálogo e colaboração Norte-Sul e também Sul-Sul, para o qual o G-5 é um instrumento valioso. Precisamos de uma ação coordenada (do G-8 com o G-5) para enfrentar a inflação mundial."
O encontro do G-5 durou cerca de 30 minutos e formalizou apenas a compreensão dos cinco países sobre sua participação mais efetiva e consertada, neste ano, na cúpula do G-8. Durante a discussão, partiu do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, a sugestão de impor maior vigor na mensagem do G-5 de que as economias em desenvolvimento não devem pagar a conta dos problemas macroeconômicos e da ineficiente regulação dos países mais ricos sobre o sistema financeiro - referência clara aos efeitos da crise no sistema americano de financiamento imobiliário, o chamado subprime - e o mercado futuro de capitais - menção à nova onda de especulação.
Esse recado havia sido ensaiado por Lula na última reunião de cúpula do Mercosul, na Argentina, quando o presidente obteve o apoio de seus colegas sul-americanos. "Há exagero nessa especulação, que decorre da má gerência do sistema financeiro e que saiu do mercado de hipotecas para o das commodities agrícolas e do petróleo", insistiu o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim.
Amorim resumiu de forma franca a opção do G-5. "Todos trabalhamos para evitar o aquecimento global. Mas temos um problema grave, que diz respeito aos preços do petróleo e dos alimentos e da inflação, e não podemos deixar que isso desapareja", afirmou. "Foi uma vitória do G-5, modéstia à parte, que esse assunto seja objeto de discussão. No longo prazo, todos estaremos mortos, se não conseguirmos enfrentar o curto prazo. E o curto prazo é a segurança alimentar, o preço dos alimentos, a inflação, o desequilíbrio macroeconômico do mundo desenvolvido contaminando o mundo em desenvolvimento", completou.
Segundo Amorim, não se trata de sugerir ao G-8 a adoção de fórmulas de dirigismo econômico, como meio de limitar o movimento especulativo sobre os mercados futuros de alimentos e de petróleo. Mas de propor a maior coordenação das políticas financeiras adotadas pelos países desenvolvidos e as economias em desenvolvimento e de pressionar para que o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird) planejem programas orientados a reduzir o impacto da elevação dos preços dessas commodities.
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