Além de R$ 52 bilhões em obras, há pressões por gastos, como o reajuste dos servidores
Embalado para garantir mais um recorde de investimentos em ano de eleição, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva reserva uma conta amarga para o primeiro ano de mandato da presidente eleita Dilma Rousseff. A menos de dois meses da troca de comando no Planalto, há contas a pagar de mais de R$ 52 bilhões só em investimentos bancados com dinheiro dos tributos.
O valor é impossível de ser quitado até 31 de dezembro, mesmo que o governo bloqueie novos gastos nessa área. Essa provável herança indigesta será tema de análise do grupo de transição, que começa a funcionar na próxima segunda-feira.
A ela se somam pressões para aumentos de gastos, como a proposta de reajuste dos salários do Poder Judiciário e do Ministério Público da União, cujo peso extra em 2011 ultrapassa R$ 6 bilhões, segundo cálculos da consultoria de Orçamento da Câmara. Há, também, o compromisso de conceder aumento acima da inflação para o salário mínimo e as aposentadorias.
O cenário adverso reforça a pressão por um ajuste nas contas públicas, ainda que Dilma Rousseff não seja entusiasta do aperto fiscal. A eventual redução nas metas de inflação - defendida por interlocutores da presidente eleita - só aumentaria a necessidade de um ajuste.
Investimentos
Dados pesquisados pelo Estado no Siafi (sistema de acompanhamento de gastos federais) mostram que o governo acumula pagamentos pendentes de R$ 29,5 bilhões de investimentos autorizados em anos anteriores, além de R$ 22,8 bilhões de investimentos comprometidos até meados de outubro que precisam ser quitados.
Para uma medida de comparação, a soma equivale a quatro vezes o custo do programa Bolsa Família. Também representa 60% a mais do que o governo pagou em investimentos de janeiro até as vésperas do segundo turno das eleições.
Mais importante: as contas pendentes em investimentos superam o valor previsto para esse tipo de gasto em 2011, primeiro ano de mandato de Dilma. O projeto de lei orçamentária encaminhada pelo governo ao Congresso prevê investimentos de R$ 51,4 bilhões no ano que vem.
A previsão de investimentos com dinheiro dos impostos está concentrada em projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sobretudo nas áreas de habitação e recuperação de rodovias. Mas os gastos de investimento de 2010 ainda não pagos criam uma competição com os futuros projetos e obrigam o futuro governo a fazer uma escolha: ou paga as contas pendentes ou faz investimentos.
Cancelamento
Uma das alternativas a serem consideradas é o cancelamento de compromissos de gastos, os chamados "empenhos", no jargão orçamentário. Não seria uma medida inédita. Foi o que ocorreu em 2002, na transição do governo Fernando Henrique Cardoso para o primeiro mandato de Lula. Na época, FHC cancelou, por decreto, parte das despesas não quitadas.
Isso levou a suspensão de obras e atraiu prefeitos e lobistas em Brasília contra o que chamaram de "calote". Depois disso, o governo Lula voltou a acumular grandes volumes de contas não pagas, transferindo gastos de um ano a outro. O Tribunal de Contas da União (TCU) tem feito reiteradas críticas ao fenômeno, desde 2006. Embora os chamados "restos a pagar" sejam muitas vezes impostos pelo ritmo das obras, o acúmulo de despesas não pagas desorganiza a administração das contas públicas, avalia o tribunal.
Em 2007, Lula vetou mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias que impunha limite para as contas pendentes. Temia prejuízos ao andamento do PAC.
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