Brasileiro compromete orçamento com prestação da casa e do carro e diminui apetite por produtos como eletrodomésticos e móveis
A forte expansão do crédito para a compra de imóveis e veículos está ‘roubando’ espaço de outras modalidades de financiamento. Como o bolso do brasileiro é o mesmo, sobra menos dinheiro para parcelar outros produtos, como eletrodomésticos, eletroeletrônicos e móveis.
Por ora, ninguém fala em estagnação do varejo, como os próprios números do setor têm mostrado – no primeiro semestre, houve alta de 11% das vendas do comércio em relação ao mesmo período do ano passado. Mas, na margem (ou seja, na comparação mensal), os itens móveis e eletrodomésticos têm tido desempenho mais fraco do que outros segmentos.
Em abril e maio, respectivamente, as vendas gerais do comércio subiram 1,5% e 1% ante o mês anterior. Em móveis e eletrodomésticos, houve queda de 0,3% e alta de 0,6%.
Alguns dados do Banco Central (BC) indicam que a tendência deve se aprofundar, o que, segundo especialistas, obrigará as empresas de varejo a se adaptarem.
Nos 12 meses encerrados em junho, os empréstimos para aquisição de imóveis cresceram 44% e, para veículos, 34%. No mesmo intervalo, o crédito para outros bens (que inclui eletrodomésticos e eletroeletrônicos, entre outros segmentos) avançou só 2%.
Também segundo o BC, as operações de longo prazo (acima de 3 anos) se expandiram 42% nos 12 meses terminados em maio. Os financiamentos de curto prazo (6 meses a 1 ano), avançaram 15%. Os empréstimos acima de R$ 50 mil cresceram 34% no período, enquanto os financiamentos até R$ 5 mil subiram 13%.
Razões estruturais
Segundo analistas, o novo cenário é explicado pela estabilidade da economia (que permite a queda das taxas de juros e o alongamento dos prazos de financiamento) e pelo aumento do emprego e da renda.
Por isso, dizem, nos próximos anos o mercado de crédito para pessoa física no Brasil verá o predomínio das operações de longo prazo, a exemplo do que ocorre há décadas nos países desenvolvidos. "Estamos passando por um processo de aprofundamento financeiro", define o analista de crédito da Tendências Consultoria, Alexandre Andrade.
O movimento ainda não preocupa os bancos, que avaliam haver renda e emprego suficientes para garantir o avanço de todos os segmentos do crédito à pessoa física – ainda que em velocidades diferentes. "Se o consumidor tem a mínima estabilidade, a roda gira, apesar do crescimento maior no crédito para casa e carro", afirma o diretor do Departamento de Empréstimos e Financiamentos do Bradesco, Octavio de Lazari Júnior.
O superintendente executivo de empréstimos do segmento Pessoa Física do Santander, Rogério Estevão, reconhece que "qualquer empréstimo" reduz a renda disponível para a contratação de outras dívidas.
Mas pondera que, tanto no caso do carro quanto no da casa, os prazos mais longos e os juros menores resultam em prestações mais baixas. Ou seja, acaba sobrando dinheiro para a compra de outros produtos.
Bancos otimistas
O economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, concorda. "Com essas características (juro menor e prazo mais longo), libera-se espaço para outros tipos de endividamento", pondera.
A economista Mirela Scarabel, da LCA Consultores, acrescenta outro dado para sustentar a visão positiva dos bancos. Segundo ela, o comprometimento da renda do brasileiro, medida que inclui todas as modalidades de crédito, está hoje em 17%.
É o mesmo nível dos Estados Unidos, o que, em um primeiro momento, surpreende e até assusta – uma vez que o país está mergulhado em uma crise justamente por causa da explosão de uma bolha de crédito.
Mirela observa, porém, que há duas atenuantes. A primeira é que, nos EUA, as estatísticas já embutem uma desaceleração do endividamento, por causa da crise. Além disso, ela lembra que, apesar da forte expansão do crédito nos últimos anos, o comprometimento no Brasil ficou muito próximo do que era em 2006 – 16,25%. "Isso mostra que, por causa dos prazos maiores, dos juros menores e do emprego e da renda, o endividamento se manteve estável", argumenta.
O economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo, acredita que, por enquanto, a economia brasileira é capaz de acomodar as variadas demandas por crédito. "O País cresce fortemente e a renda também", afirma. Em 2004, a renda real do brasileiro era, em média, de R$ 947 por mês. No fim de 2009, alcançou R$ 1.069, ou seja, expansão de quase 13%.
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