O balanço das principais montadoras mundiais no primeiro trimestre confirma as avaliações de que o setor depende hoje muito mais de mercados emergentes, como o Brasil, do que dos países ricos. O exemplo mais recente veio da Ford. Em meio a um forte processo de corte de custos nos EUA, a empresa anunciou lucro de US$ 100 milhões no período - após prejuízo de US$ 282 milhões nos três primeiros meses de 2007. As perdas na América do Norte (US$ 45 milhões) acabaram compensadas pela volta de ganhos na região que inclui Ásia e África e por resultados mais expressivos na América do Sul. Em 2007, o Brasil (que responde por 60% a 70% dos negócios na região), passou a ser o terceiro maior mercado no mundo em vendas para a Ford, atrás de EUA e Reino Unido.
O forte crescimento econômico dos emergentes nos últimos anos - e a enorme demanda reprimida por um bem de consumo de status, como automóvel - faz a festa das montadoras. Mesmo no Brasil, cuja economia não cresce a ritmos asiáticos, a indústria automobilística tem avançado a taxas chinesas: a Anfavea, associação das montadoras, prevê alta de 17,5% nas vendas este ano.
Pesquisa da PwC Automotive Institute, braço para o setor da PricewaterhouseCoopers, destaca que, em 2014, os grandes emergentes do chamado Brics (Brasil, Rússia, Índia e China) vão responder por 23% da produção mundial de automóveis (hoje são 16%), roubando espaço da União Européia América do Norte.
O economista Enéas Carvalho, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), lembra que os países ricos são economias maduras, onde a venda de carros é só para reposição. A única exceção, até pouco tempo, era o mercado americano, onde as vendas das montadoras ainda eram altas. Mas a crise econômica e a alta do petróleo - que encareceu principalmente o uso dos grandes e pouco eficientes automóveis que são paixão nacional nos EUA - estragou o balanço local de empresas como a Ford.
As européias também estão faturando mais fora de seus países de origem. A Fiat lucrou 405 milhões de euros no primeiro trimestre (o equivalente a US$ 638 milhões), contra 358 milhões de euros em 2007. Para analistas, o resultado da divisão automotiva da multinacional se deveu ao aumento de participação nas vendas no Brasil (responsável por cerca de 25% das operações mundiais da companhia), que neutralizou as perdas na Itália (ainda seu maior mercado). Na Volkswagen, o aumento de demanda na China, no Brasil e em países do Leste Europeu levou a empresa a um lucro líquido geral de 929 milhões de euros (US$ 1,48 bilhão).
Os emergentes também voltaram a puxar o resultado da General Motors. Sem considerar seu braço financeiro (Gmac), a montadora americana lucrou US$ 392 milhões no primeiro trimestre. A região formada por América Latina, África e Oriente Médio (Laam) registrou um trimestre de lucro recorde (US$ 517 milhões), mais que o dobro de igual período de 2007. O Brasil representa 40% dos negócios. A GM teve ganhos em todas as regiões, exceto América do Norte, seu maior mercado, onde perdeu US$ 812 milhões.
Segmento vai investir
US$ 20 bilhões até 2010
O apetite das montadoras por países emergentes começou na década de 1990, mas ganhou fôlego novo no início do século XXI, quando o crescimento econômico dessas regiões surpreendeu até o mais otimista dos analistas. No Brasil, os anos 1990 marcaram a chegada de uma leva de multinacionais (PSA Peugeot Citroën, Renault, Toyota, Honda, Mercedes-Benz) e a expansão de montadoras já instaladas (a GM construiu nova fábrica no Rio Grande do Sul, a Ford na Bahia e a Volks, no Paraná). Aqui, as apostas da década de 1990 se frustraram, diante do baixo crescimento econômico que deixou muitas fábricas ociosas, lembra Marcelo Goldenstein, gerente da área industrial responsável pelo setor automobilístico no Bndes.
Agora, com as vendas e a produção a pleno vapor, o segmento volta a investir. Pelas contas da Anfavea, serão mais de US$ 20 bilhões até 2010, considerado o desembolso de montadoras e autopeças. A Fiat comprou recentemente a fábrica da Tritec, parada desde junho. A GM vai construir fábrica em Santa Catarina, com gastos de R$ 350 milhões. A VW investirá R$ 123 milhões na ampliação da unidade de São Carlos (SP), e a Honda iniciará em maio a produção de motores na fábrica de Sumaré (SP), peças antes importadas. Já a Ford vai desembolsar R$ 600 milhões para dobrar a produção de Taubaté (SP), projeto que está fora de outro pacote, de R$ 2,5 bilhões até 2011.
A Toyota estuda nova fábrica. A Hyundai também planeja fincar os pés no Brasil. O mesmo entusiasmo aparece em outros mercados emergentes. A PSA Peugeot Citroën está construindo a segunda unidade na China e iniciará este ano a construção de uma na Rússia, a primeira no país. No Brasil, as vendas da PSA cresceram 33,3% em 2007 - o melhor desempenho da montadora no mundo.
|