A governadora Yeda Crusius avalia que, passados quinze meses do início de sua gestão, já é possível colher os resultados do ajuste fiscal que implementou no primeiro ano de mandato. Mas a melhora da saúde financeira do Estado não vai permitir investimentos com dinheiro do orçamento.
Por isso, o próximo passo do governo será a implantação dos programas estruturantes, entre os quais ela destaca o Duplica RS, para ampliar as condições de infra-estrutura no Estado.
A chefe do Executivo gaúcho recebeu o Jornal do Comércio em seu gabinete, no Palácio Piratini, para uma entrevista exclusiva em que garantiu que não vai propor novamente o aumento das alíquotas de impostos.
Explicou que sua tentativa, derrotada pela Assembléia Legislativa, era fazer um PAC estadual. "Quis aumentar algumas tarifas para formar um fundo de desenvolvimento", justifica.
Jornal do Comércio - O primeiro ano do governo foi de ajuste nas finanças. Chegou a hora de colher resultados?
Yeda Crusius - Foi por causa do ajuste fiscal que podemos colher os resultados. Ainda precisamos gastar melhor e, se possível, gastar menos, sem fazer nenhum corte em serviços. Passamos o ano inteiro mudando tudo no governo e isto foi trabalhoso. Foi como uma reestruturação na empresa. Esta gestão já foi entendida por todos secretários. Um dos resultados foi o superávit primário de praticamente R$ 1 bilhão. Cresceu uma vez e meia, foi o maior superávit primário da história. Para que serve esse superávit? Para podermos pagar a dívida. Pagamos a dívida e no final o resultado foi negativo, tivemos déficit. Ainda não cobrimos a parte do ajuste necessário para equilibrar as contas.
JC - Em quanto tempo as contas do Estado vão chegar a um equilíbrio?
Yeda - Em 2009 a casa estará em ordem. Reduzimos o déficit à metade. Temos que reduzir esse ano à metade. E ano que vem ele zera. É preciso um esforço de três anos para zerar o déficit e fazer as despesas caberem dentro das receitas. No terceiro ano poderemos ter o superávit primário, pagar as dívidas e ainda restar um pedaço para o investimento. Esse já é um resultado.
JC - Por que a senhora escolheu os 15 meses para apresentar resultados à população?
Yeda - Só pude pagar os salários em dia depois de 15 meses. Como vou apresentar um balanço em que não possa mostrar o acerto do ajuste? Aumentamos a verba do transporte escolar, pagamos as prefeituras que estavam em crédito conosco, pagamos a Consulta Popular atrasada. Ou seja, o ajuste fiscal não é só corta, corta, corta. É para poder ter serviços. Agora é a hora de colher o esforço feito. Podemos apresentar números, obras, a Rota do Sol, a duplicação de Cassino-Rio Grande, a duplicação da RS-118 em torno de Porto Alegre. O ajuste na educação, na saúde, na segurança foi para poder contratar mais 1,8 mil agentes de segurança. Contratamos professores e servidores para as escolas, pagamos dívidas com hospitais, não tem mais pagamento atrasado. E transferimos para os hospitais a quota negociada no contrato. O ajuste na verdade é gestão que gera serviços, gastando 30% a menos no custeio.
JC - Mas a capacidade de investimento do governo segue reduzida.
Yeda - Primeiro vamos ultimar esse contrato com o Banco Mundial. Tudo que for poupado no pagamento da dívida vira investimento, já definido com a população através dos Coredes. E cada ação em que pudermos gastar menos, o resultado será usado para investir mais. Para este ano estão previstos R$ 90 milhões de investimento com recursos do Tesouro do Estado, praticamente nada. Agora com parcerias público-privadas, com a vinda dos investimentos nos setores de carne, leite, florestamento, celulose, papel, plástico, a soma disso pode resultar em investimentos de R$ 30 bilhões para o Estado.
JC - Através da iniciativa privada, não do governo?
Yeda - O governo garante investimento em energia, estradas, infra-estrutura, através da Corsan, CEEE, Sulgás, Banrisul, dos instrumentos do governo, que são as estatais.
JC - E os investimentos privados estão vindo em série, como deseja o governo?
Yeda - Estamos anunciando mais de um por dia. Mês que vem vamos anunciar o resultado do Cais do Porto. A melhor notícia é que podemos vencer a crise em três anos. Através do ajuste fiscal, readquirimos a confiança do governo federal, do Banco Mundial e dos investidores privados. Que estão chegando em função dos nossos recursos naturais, que trazem aqui o superporto, o florestamento, indústrias de leite e carne.
JC - E a Aracruz?
Yeda - É o maior investimento de todos. São U$ 2,6 bilhões, significa R$ 4,8 bilhões na fábrica de Guaíba, em plantio de floresta, treinamento de pessoal. Só preciso tratar a questão de zoneamento, infra-estrutura. Esse investimento da Aracruz dá uma dimensão do que tivemos que fazer para que ela tomasse a decisão de vir cá.
JC - Durante a negociação com a Aracruz houve mudança de secretário do Meio Ambiente, diretor da Fepam, alterações no zoneamento ambiental. Houve intervenção do Palácio?
Yeda - Houve determinação de levantar barreiras que impediam o desenvolvimento. Uma delas era o estoque de milhares de processos de licenciamento ambiental parados na Fepam. O que nos propusemos? Na segurança jurídica de fazer um zoneamento ambiental negociado pela sociedade. Tudo que discutimos foi levado à Fepam. Tínhamos o licenciamento ambiental, florestal discutido com toda sociedade. Não foi uma decisão do Piratini. Foi uma decisão política do governo de discutir democraticamente uma solução para um conflito que não tinha fim. A Aracruz já tinha definido que poderia vir para cá há muito tempo. Não viria, não fosse a segurança jurídica, resolvendo a questão do zoneamento, providenciando infra-estrutura de acesso e energia.
JC - E o Pró-Guaíba pode ser reativado?
Yeda - Será reativado através de projeto liderado pelo governo, buscando consórcios com prefeituras. Para isso, ganhamos R$ 250 milhões do orçamento geral da União. E R$ 250 milhões da Corsan. Então, R$ 500 milhões serão aplicados no tratamento das Bacias do Sinos e Gravataí. Significa um Pró-Guaíba. Não com aquele cronograma original, porque não temos capacidade de endividamento.
JC - Na marcha dos prefeitos a Brasília, os municípios pediram uma fatia maior dos impostos com a reforma tributária. Os estados também têm essa reivindicação?
Yeda - Desde o nosso primeiro encontro com o presidente Lula, em fevereiro do ano passado. O Rio Grande do Sul é o maior interessado. É o Estado que mais perde com a estrutura tributária. A guerra fiscal prejudica a todos, mas principalmente ao Rio Grande do Sul. E também prejudica a falta de um fundo de ressarcimento das exportações. A mudança para nova estrutura tributária tem que ter um fundo absolutamente constitucionalizado, se não vai ser que nem a Lei Kandir.
JC - Se não for bem-sucedida a reforma, existe a possibilidade de aumento de impostos?
Yeda - Eu, Yeda, governadora, não volto a propor. Se alguém enxergar que seja necessário...
JC - Por convicção ou por conta do desfecho?
Yeda - Dos dois desfechos. Busquei fazer um PAC estadual. Quis aumentar algumas tarifas para formar um fundo de desenvolvimento. Fazer um PAC antes de o PAC nascer, porque fiz a proposta à Assembléia em dezembro de 2006. A proposta do governo eleito era formar um fundo que garantisse pagamento de precatórios e desenvolvimento, infra-estrutura. Em dezembro de 2006 não foi compreendido. Depois do PAC, acreditei que tivesse sido compreendido, porque o PAC nada mais é do que a reserva no orçamento da União para investir. Mas, de novo não foi compreendido, em novembro de 2007. Então, não volto a propor esta solução. Que aceleraria o padrão de desenvolvimento do Estado, mas não volto a propor.
JC - O governo está satisfeito com a parcela do PAC encaminhada ao Estado?
Yeda - De novo o Rio Grande do Sul é quem menos ganha. Não fizemos o metrô, vamos buscar reverter por causa da Copa Mundo. Não tivemos a duplicação da BR-392, conseguimos reverter, está dentro do PAC, mas não tem nada garantido. Tudo que estamos fazendo de infra-estrutura tem o governo estadual e as parcerias privadas, mas a visão que eles têm é que o Estado é rico e que pode se financiar. Provamos que não e obtivemos a ajuda do governo federal na possibilidade de negociação com o Banco Mundial, apesar de não termos um relação dívida-PIB compatível para isso.
JC - E a relação com o governo Lula?
Yeda - Ele é muito respeitoso. Melhor com PAC do que sem PAC. Bacias do Sinos e Gravataí, o Pólo Naval. Tenho que celebrar isso. O Rio Grande do Sul é o Estado que mais responde com empresas privadas à política de biocombustível. Queremos mais forte ainda um pólo de ciência e tecnologia. Essa negociação com o Banco Mundial mostrou uma relação muito especial do governo federal com o Rio Grande do Sul. A ministra Dilma tem sido incansável na busca de recursos para nós, mas é claro que a proporção que recebemos é muito menor do que outros estados recebem.
JC - E, no Estado, a vinda de Cézar Busatto para a Casa Civil foi importante para retomar o diálogo com os outros poderes?
Yeda - Não só a vinda do Busatto. A troca da Casa Civil, da Casa Militar e a criação da secretaria-geral de Governo, deslocando o deputado Záchia para o Desenvolvimento. No primeiro ano se formou uma rede interna no governo, que se conversa muito bem. Esse período passou. A vinda de negociadores hábeis, como são o Záchia e o Busatto, e a vinda do Delson Martini na secretaria-geral de Governo amplia a capacidade de negociação do governo e libera um pouco mais a governadora para fazer o mundo externo. Porque uma secretaria a mais no âmbito do Palácio, me libera. E a qualificação de negociação já se faz presente com os resultados que estamos tendo na Assembléia.
JC - O entendimento com o vice-governador também foi importante, por exemplo, para que a senhora possa fazer viagens...
Yeda - Não é isso. Quando terminou o ano, terminou uma etapa em que buscamos mostrar que era um governo que, para dar certo, consertava a questão financeira, fiscal, a questão dos salários do funcionalismo, que são díspares até o fim. Passado esse evento, fui buscar, através da intermediação do deputado Cláudio Diaz (PSDB), o vice para compartilhar o governo. Na viagem, não precisamos passar o cargo para o vice. Na verdade, buscamos uma participação do vice no governo. E ele quis conhecer cada secretaria, cada assunto. Isso é fundamental para a população que vê um governo eleito trabalhar junto. Luto com toda minha energia para fazer o projeto vingar. Foi assim que fiz no caso do Bansirul, no contato com o governo federal para o Banco Mundial. É assim eu faço na questão do meio ambiente, na educação. Vamos dirimir o conflito, negociando com a sociedade, inclusive através da Assembléia.
JC - Como está a implementação dos programas estruturantes do Estado?
Yeda - Um estruturante é o ajuste, fazer mais e melhor com os impostos que arrecada, botar a casa em ordem. Existem outros programas como duplicar a infra-estrutura no Rio Grande do Sul, o Duplica RS. Outro estruturante é o Boa Escola para todos, que já está em ação. Um amplo programa de educação média profissionalizante, o Alfabetiza, programa de alfabetização aos seis anos, vai ser modelo nacional. Isto é um estruturante. Transporte escolar para todos.
JC - A rodada de entrevistas nos meios de comunicação faz parte da divulgação?
Sou uma pessoa da comunicação. Por mim, teria feito uma agenda em que coubesse tempo permanente para divulgar o governo, minhas idéias. E não tive esse tempo. Passados 15 meses, vamos apresentar resultados na campanha publicitária "A luta vale a pena quando os resultados aparecem". Resultados das estatais, Banrisul, CEEE, Corsan, e, em seqüência, vamos apresentar nossos estruturantes.
JC - E a segurança pública? A polícia está muito desequipada, faltam viaturas...
Yeda - Está aberta a licitação, e ela apareceu cheia. Antes, a gente abria a licitação e não aparecia quem quisesse vender para o governo. A partir de novembro, consegui comprar carros para a fiscalização de sanidade vegetal e animal na Agricultura. Demorei dez meses para conquistar a confiança aqui. Já tinha conquistado a confiança do governo federal, do Banco Mundial e dos investidores do Banrisul. Agora eles sabem: se o governo diz que paga, é porque já tem dinheiro em caixa. Vamos comprar viaturas, existem recursos.
JC - Mas falta efetivo, com o grande volume de oficiais indo para reserva.
Yeda - As regras de aposentadoria levam as pessoas a se aposentar o mais cedo possível. Estamos tratando todas as carreiras do Estado, inclusive a Brigada. Durante o ano, a medida que eu tiver uma folga permanente, vou contratar cada vez mais agentes de segurança.
JC - O presidente da CPI do Detran, Fabiano Pereira, insiste com acusações...
Yeda - Espero que ele próprio tome a iniciativa de reconhecer que errou. Que não misture as duas coisas. Isso é próprio de um jovem parlamentar que queira evoluir na vida pública. Passou do campo do embate ideológico, do embate político.
JC - A bancada do PT apóia a posição do deputado Fabiano Pereira.
Yeda - Creio que a bancada deve ajudá-lo a reconhecer que errou. Ele passou dos limites. Há uma solidariedade a um companheiro que falhou e espero mesmo que eles tenham grandeza suficiente para reconhecer que erraram. Se acabasse logo com esse assunto seria bom para todo mundo. O povo reconheceria: "Passei do limite". Tudo bem, então aprende e não passa mais. A própria bancada do PT, com quem buscamos a mais cordial relação, uma relação para o bem do Rio Grande. Eles no campo de oposição, nós no campo de governo. Não custaria nada se reconhecessem que os limites foram ultrapassados no campo público e no campo privado.
|