A dívida bruta do setor público, que já atinge quase R$ 2 trilhões, é o novo fantasma dos analistas da economia brasileira. Ela cresceu de 53,1% para 66,8% do Produto Interno Bruto (PIB) durante o governo Lula (o último dado é de outubro deste ano) e já há previsões de que possa ultrapassar 70%. A dívida bruta é a dívida total do setor público. Já o conceito de dívida líquida, mais utilizado pelo mercado, desconta do total devido pelos governos (federal, estadual e municipal) todos os créditos que o setor público tem a receber. Em outubro de 2009, a dívida bruta estava em R$ 1,98 trilhão.
Esses números são da dívida bruta do governo geral, o que inclui as três esferas federativas, mas exclui as estatais não financeiras, como Petrobras e Eletrobrás. Como explica o economista Alexandre Marinis, da Mosaico Economia Política, só há estatísticas disponíveis para a dívida bruta nesse conceito. A dívida líquida caiu de 49,2% para 45,7% do PIB durante o governo Lula.
Marinis, que se preocupa com a dívida bruta desde pelo menos 2006, nota que ela hoje está no seu mais alto nível histórico. O pico anterior, de setembro de 2002, era de 60,1% do PIB, quase sete pontos percentuais abaixo do nível atual. Nessa data, momento da crise de pânico que antecedeu a chegada de Lula ao poder, a dívida líquida do governo geral chegou ao seu recorde histórico, batendo em 54,3% do PIB. "Embora a dívida líquida esteja abaixo do pico e o mercado a julgue sob controle, a dívida bruta está no pico histórico e a sua velocidade de crescimento é a maior da série."
Uma das principais razões para a preocupação é que a dívida líquida, de certa forma, disfarça as consequências fiscais de determinadas decisões de política econômica, como os grandes empréstimos que o Tesouro vem fazendo ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes). Do ponto de vista da dívida líquida, o impacto inicial dessas operações é zero - o Tesouro aumenta sua dívida ao emitir títulos para captar o dinheiro que vai emprestar, mas amplia os seus créditos em exatamente o mesmo montante.
O problema, porém, é que o Tesouro paga juros mais elevados para os detentores da dívida pública do que o Bndes pagará pelo seu empréstimo. Dessa forma, a decisão do governo de emprestar ao banco de fomento, embora não mude em nada a fotografia da dívida líquida, vai provocar novos gastos. Marinis nota que, em outubro deste ano, o Tesouro tinha R$ 145 bilhões emprestados às instituições financeiras federais, dos quais R$ 129 bilhões eram para o Bndes e R$ 16 bilhões à Caixa Econômica Federal. Empréstimos desse nível aos bancos federais são uma novidade recente da política econômica brasileira - de 2000 até dezembro de 2007, a média do saldo de empréstimos do Tesouro às instituições financeiras estatais era de R$ 12 bilhões. "Aumentou mais de dez vezes", aponta o economista.
Ele fez um cálculo detalhado sobre qual será, em 2010, a diferença entre a remuneração dos títulos do Tesouro lançados para captar os recursos emprestados aos bancos federais, de um lado, e o quanto esses pagarão ao Tesouro - o total estimado é de R$ 11 bilhões. Mas o economista acha que, com os R$ 80 bilhões adicionais anunciados de empréstimos ao Bndes, e mais as capitalizações já cogitadas da Caixa e do Banco do Brasil, a conta de 2010 pode subir para cerca de R$ 20 bilhões.
O outro fator de aumento da dívida bruta é o acúmulo de reservas internacionais, que são aplicadas em títulos internacionais, que são um crédito do governo. Para comprar os dólares, porém, o Banco Central precisa de reais captados com emissões de títulos do Tesouro, gerando uma dívida equivalente. Porém, a rentabilidade das reservas tem sido inferior ao custo de captação. Essa diferença foi calculada recentemente pelo Itaú-Unibanco em R$ 25 bilhões em um ano, mas, nesse caso, a avaliação é de que a segurança macroeconômica fornecida por reservas de US$ 238,9 bilhões compensa o gasto.
Mas o aumento da dívida bruta vai além do acúmulo de reservas. O valor das reservas em outubro estava em 13,6% do PIB que, descontado da dívida bruta, de 66,8%, faz com que ela caia para 53,2% do PIB. Esse porcentual está 7,5 pontos percentuais acima da dívida líquida do governo geral naquela data, que era de 45,7% - essa diferença, que aumentou fortemente em 2009, é explicada em parte pela escalada de empréstimos do Tesouro aos bancos federais.
Indenizações trabalhistas inflam os gastos
A liberação de incentivos financeiros para estimular a saída dos aposentados das estatais está aumentando os gastos do governo federal com pagamento de indenizações trabalhistas. De janeiro a novembro, somente nas estatais, o desembolso passou de R$ 67,094 milhões no acumulado de 2008 para R$ 126,798 milhões em 2009. Se somados os gastos do governo com indenizações, o total chega a R$ 155,565 milhões.
As estatais encontraram nos Programas de Demissão Voluntária (PDV) a solução para renovar seus quadros sem ter de arcar com o desgaste político de uma onda de demissões de aposentados. Mas a ação impacta diretamente no aumento dos gastos com pessoal.
A possibilidade de o trabalhador se aposentar por tempo de contribuição no INSS e manter o vínculo empregatício preocupa o governo porque, além de impedir a troca de funcionários, contribui para o aumento do déficit previdenciário.
Nas empresas públicas, muitos dos cargos com salários mais saltos - por causa da incorporação de gratificações - estão nas mãos dos aposentados, que só saem da empresa com incentivos financeiros. Esse quadro vem se deteriorando desde 2006, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a concessão de aposentadoria espontânea não rompe os vínculos empregatícios. De lá para cá, 76.225 pessoas se aposentaram e mantiveram o vínculo empregatício nas principais empresas do País.
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