"O Brasil possui as maiores taxas de juros do mundo." Durante muitos anos essa frase foi repetida constantemente por analistas, preocupados com os rumos da economia brasileira. Adotados no início do Plano Real, em 1994, como forma de conter a inflação, os juros altos sempre foram apontados, principalmente por empresários, como prejudiciais ao desenvolvimento do País por não favorecerem o aumento do consumo e da produção industrial.
O cenário brasileiro começou a mudar em razão da queda do índice básico de juros da economia, a taxa overnight do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic).
Definida pelo Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, a taxa Selic, que em dezembro de 2002 era praticada a 25% ao ano, foi constantemente reduzida com o passar dos anos, alcançando o patamar de 8,75% ao ano em julho passado. O valor é o menor da história da Selic desde sua criação, em 1999, e foi mantido por duas reuniões subsequentes do Copom, a última realizada no dia 20 de outubro.
A redução desses índices deve-se à estabilidade cada vez maior da economia nacional, demonstrada pela forma como o País enfrentou a crise financeira mundial, que se iniciou em setembro de 2008. "A crise demonstrou a maturidade econômica brasileira. A inflação caiu. O mundo pode verificar que o Brasil é sólido, não houve necessidade de os investidores saírem do País, não tivemos que comprar dólares e a inflação caiu. Tudo isso fez com que o governo pudesse reduzir as taxas de juros", explica Pedro Ramos, economista da Federação do Comércio do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS).
No entanto, o especialista lembra que, a fim de combater a inflação, a economia brasileira foi preparada durante muito tempo para atuar sob cenários de juros altos. Portanto, a queda das taxas acarreta diversas mudanças no planejamento financeiro de empresas, pessoas físicas e do governo. "Em diversos aspectos nossa economia não está preparada para conviver com essa taxa de juros tão baixa, e teremos que nos adequar institucionalmente a essa novidade", aponta Ramos.
O processo a que Ramos se refere é, de certa forma, parecido com o que o país viveu na década de 1990. A economia brasileira havia se "acostumado" à inflação alta e, com a estabilização, empresas e pessoas físicas tiveram que se adaptar ao novo cenário. Agora é a vez da adaptação aos juros baixos. O exemplo mais evidente está na queda de alguns rendimentos: quem se acostumou aos ganhos "fáceis" dos fundos atrelados à Selic já percebe a diferença. O governo estuda, inclusive, reduzir a rentabilidade da poupança para acompanhar a queda nos ganhos oferecidos por esses fundos.
Os bancos, segundo os analistas, também terão de se adaptar. As altas taxas sempre foram consideradas um empecilho para a circulação do dinheiro dos bancos na economia através de empréstimos para agentes privados. Em 2003, um relatório do Fundo Monetário Internacional (FMI) chegou a afirmar que, no Brasil, "o papel tradicional dos bancos de intermediar a atividade financeira ao coletar depósitos e distribuir créditos não predomina". Com uma Selic menor, os títulos do governo passam a render menos. E os bancos, principais compradores desses papéis, tendem também a procurar operações mais rentáveis.
A perda dos lucros com títulos governamentais é compensada pelo crescimento do número de clientes. Com os juros baixos, mais pessoas e empresas tendem a pegar dinheiro emprestado. Esse processo já está ocorrendo. Desde 2003, o nível de participação do crédito no Produto Interno Bruto (PIB), que era em torno de 20%, já evolui para 45%.
"As taxas de juros mais baixas também contribuem para isso, os bancos já não ganham dinheiro apenas investindo em títulos públicos do governo, mas se forçam a emprestar mais recursos para empresas e pessoas físicas a fim de obter lucro", informa Denílson Alencastro, analista econômico da gestora de recursos Asset Geral.
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